106.º Aniversário da Implantação da República
106.º Aniversário da Implantação da República
Praça do MunicÃpio, Lisboa
5 de outubro de 2016
Portugueses,
Cento e seis anos depois, o 5 de Outubro está vivo.
E o essencial da sua mensagem ética não se esfuma no tempo.
Está vivo o princÃpio de que todo o poder polÃtico é temporário, não se transmite por herança, nem comporta a escolha do sucessor.
Está vivo o princÃpio de que todo o poder polÃtico é limitado e sujeito a controlo por outro poder polÃtico e sempre pelo Povo.
Está vivo o princÃpio de que todo o poder polÃtico nasce do voto popular, deve preocupar-se com a proximidade relativamente à fonte de legitimação, cumpre uma missão ao serviço da comunidade, não é propriedade de ninguém, pessoa, famÃlia, clã, classe, partido, grupo cÃvico, religioso, cultural ou económico.
Está vivo o princÃpio de que todo o poder polÃtico deve evitar confusão ou promiscuidade com o poder económico, assim garantindo a sua isenção e credibilidade.
Mas, se estes princÃpios continuam vivos, hoje, outros há que a prática republicana aditou, com aquele saber de experiência feito de que falava o clássico.
E o 5 de Outubro aprendeu a juntar direitos económicos, sociais e culturais aos direitos pessoais e polÃticos.
Aprendeu a juntar correção das desigualdades à mera liberdade, que a liberdade em pobreza é uma liberdade débil, condicionada, menos livre.
Aprendeu que separar as Igrejas do Estado não é o mesmo que querer impor padrões que neguem a liberdade de crença e de religião.
Aprendeu que liberdade sem democracia e sem Estado Social é liberdade imperfeita.
Aprendeu que democracia sem autonomias regionais e locais, sem descentralização e desconcentração é democracia fraca e despida de participação cÃvica.
Aprendeu que de pouco valem a liberdade e a democracia domésticas se as comunidades em que nos integramos, num mundo cada vez mais global, preferirem a guerra à paz, o sacrifÃcio dos direitos à sua garantia, o arbÃtrio de alguns ao respeito de todos.
Mas, se o 5 de Outubro permanece vivo, por que razão ainda tantas Portuguesas e tantos Portugueses desconfiam da polÃtica, dos polÃticos, das instituições, e escolhem a abstenção, o distanciamento crÃtico, o alheamento cético?
Será porque preferem a monarquia?
Não é.
A maioria dos Portugueses, creio-o firmemente, agradece a séculos de monarquia, o que ela fez de único por Portugal, e respeita quem representa essa linhagem, mas não questiona, hoje, o regime republicano.
É uma questão ultrapassada há mais de cinquenta anos, antes mesmo da entrada em vigor da Constituição que nos norteia. E digo-o com tanto mais à vontade quanto, sendo republicano assumido, há vinte anos aceitei que a revisão constitucional pudesse levantar a interdição a consulta popular sobre a matéria.
Será porque preferem regressar a uma ditadura, aberta ou disfarçada, duradoura ou temporária, para cumprir as contas públicas, reforçar a autoridade, garantir a segurança?
Menos ainda.
Pode haver quem, de tempos a tempos, sonhe com um Sebastianismo monocrático ou autocrático. Mas, o amor à liberdade, a defesa dos direitos fundamentais, a participação de centenas de milhares no Poder Regional e Local democrático, o realismo oposto a autoritarismos sem futuro afastam, sem qualquer margem para dúvidas, esses saudosismos ou esses apelos muito minoritários.
A razão de ser de desilusões, de desconfianças e de descrenças é outra.
Tem a ver com o cansaço perante casos a mais de princÃpios vividos de menos.
De cada vez que um responsável público se deslumbra com o poder, se acha o centro do mundo, se permite admitir dependências pessoais ou funcionais, se distancia dos governados, aparenta considerar-se eterno, alimenta clientelas, redes de influência e de promoção social, económica e polÃtica, de cada vez que isso acontece, aos olhos do cidadão comum, é a Democracia que sofre. É o 5 de Outubro que se empobrece ou esvazia.
O exemplo dos que exercem o poder é fundamental sempre para que o Povo continue a acreditar no 5 de Outubro.
Nestes anos de crescimento económico lento, de saÃda da crise difÃcil, de prolongados sacrifÃcios para muitos, de incertezas na Europa e no mundo, celebrar o 5 de Outubro não é apenas nem sobretudo – seja-se de direita, centro ou esquerda – voltar a fazer dele feriado ou recordar 1910, ou homenagear vultos notáveis da República, o que é justo e pedagógico é dar o exemplo constante de humildade, proximidade, frugalidade, independência, serviço dos outros, de todos os outros mas com natural atenção aos mais pobres, carenciados, excluÃdos ou injustiçados.
O 5 de Outubro está vivo.
Mas só se nós todos lhe dermos vida. Para que mais e mais Portugueses possam rever-se na República Democrática. Para que mais e mais Portugueses possam acreditar em Portugal.