Intervenção no Seminário “Portugal – Uma Estratégia para o Crescimento”

Intervenção no Seminário “Portugal – Uma Estratégia para o Crescimento” do Fórum para a Competitividade

Intervenção no Seminário “Portugal - Uma Estratégia para o Crescimento” do Fórum para a Competitividade.

Centro Cultural de Belém, Lisboa

13 de outubro de 2016

Duas notas prévias, mas não menos essenciais.

Uma, para agradecer ao Fórum para a Competitividade o labor, traduzido neste Encontro, precedido de trabalhos de fundo a cargo de especialistas competentes e experimentados.

E, mais ainda, para lhe testemunhar o reconhecimento por anos a fio a estudar e a fazer pedagogia acerca de Portugal e do seu futuro.

Outra palavra, para realçar o papel do Senhor Dr. Pedro Ferraz da Costa, que, podendo dispensar-se de mais afazeres, depois do que já dedicou a causas nacionais – durante a Revolução e na liderança de importante parceiro patronal –, ainda assim continua a marcar a sua presença persistente e combativa a pensar no bem comum.

Foi com ele que avancei a ideia de uma reflexão serena e desapaixonada sobre a competitividade, com especial enfoque na necessidade urgente de investimento interno e externo em Portugal. E logo se mostrou aberto e mesmo entusiástico a mobilizar vontades, a ultrapassar descrenças, a olhar para o médio e o longo prazo e não apenas o dia de hoje ou de amanhã. Com a vantagem de, porque não preso pelas contingências próprias dos parceiros económicos e sociais, poder mover-se olhando para o futuro e servindo, uma vez mais, Portugal.

A vossa iniciativa de hoje chegou a conclusões que já recebi e apreciei e irei analisar com todo o interesse, e que – todas elas – respeitam a necessidade de incentivar o investimento para fazer crescer Portugal.

Ora, esse investimento – como sabemos – é crucial para que a nossa economia possa criar riqueza, emprego e pistas de futuro.

Esse investimento exige confiança. E a confiança é um bem imaterial, raro e volátil.

Imaterial, porque não se cinge a dados palpáveis, embora, normalmente os pressuponha. Mais fácil é confiar em dívidas públicas controladas, défices orçamentais contidos, balanças externas equilibradas, climas fiscais estáveis, virtualidades laborais mais visíveis, justiças lestas, burocracias reduzidas.

Mas a confiança não se limita a esses dados. Olha para as fórmulas políticas, os discursos, as palavras, os silêncios.

Amiúde, depende de pré-compreensões globais, justas ou injustas, que, depois, vão encaixando argumentos específicos.

É um bem raro. Não existe para a maioria esmagadora das economias mundiais. Pelo menos, na sua expressão mais ampla.

É um bem volátil. Demora a afirmar-se.

Desaparece ou diminui num ápice.

Pensando, pois, na confiança indispensável ao investimento, olhemos para Portugal, tal como ele aparecia a número considerável de potenciais investidores internos e externos há sete meses, na sequência das eleições parlamentares de 4 de Outubro, e aquando da tomada de posse do novo Presidente da República. Deixemos, portanto, de lado, análises mais longas ou mais antigas, aqui evocadas, a merecerem outro enfoque público.

Do lado positivo da confiança, podia recensear-se: a capacidade de resistência dos Portugueses, na aplicação do Memorando de Entendimento; os indicadores de evolutivo controlo do défice orçamental e de recuperação efectiva na balança de pagamentos até 2015; o sinal de transição de crescimento negativo do PIB para crescimento positivo; a evolução favorável das exportações; os juízos genericamente lisonjeiros da Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional, a Portugal, à saída de quatro anos e meio de crise, mesmo quando pontuados, ao longo de 2015, por preocupações com o que chamava a desaceleração atribuída ao período eleitoral; a relativa permanência das traves-mestras do sistema partidário, quando comparado com os sistemas de vários Estados europeus.

Do lado negativo da confiança, os fatores mais referidos eram: a fragilidade no sistema bancário, com a não venda do banco emergente de resolução em 2014, o risco – que viria a confirmar-se – de desfecho negativo noutro banco, a sensação crescente de necessidade de capitalização no sistema – a começar no banco público – e prolongamento excessivo da definição da estrutura de capital em instituição forçada pelo Banco Central Europeu a rever a sua presença africana; o compasso de espera de mais de um mês e meio na viabilização parlamentar de um Governo; as reticências de investidores, internos e externos, à nova fórmula governativa, pelo seu caráter inovatório, pela entrada na área do poder de partidos dela duradouramente afastados, pelas suas conhecidas reservas de princípio a políticas europeias e ao Tratado Orçamental, pelos avisos críticos presidenciais aquando da posse do Governo; a dúvida acerca da vontade e das condições do novo Executivo, vinculado por promessas eleitorais de mudança, no sentido de cumprir as obrigações europeias, a começar na obrigação do défice do Orçamento de Estado; as decisões governativas de reversão nos transportes públicos locais e o seu efeito no reforço do poder sindical de setores, olhados com preocupação por determinados setores empresariais; a especulação acerca da durabilidade do Governo, colocando uns observadores o seu fim numa dissolução parlamentar em Abril, outros na inviabilidade do Orçamento para 2016, terceiros na não aprovação do PEC, outros ainda, mais generosos, na execução orçamental até ao Outono ou na negociação do Orçamento para 2017.

Este panorama, patente em 9 de Março deste ano, traduzia-se em mais razões, à partida, contra a confiança do que a favor dela.

Numa palavra, muitos investidores não acreditavam na nova solução governamental, ou discordavam da sua orientação social, no conteúdo ou no ritmo, ou previam a sua curta duração, ou, mais abertamente, defendiam a sua queda forçada e rápida substituição.

Foi com este panorama, em termos amplos, que o Presidente da República se deparou, ao entrar em funções, em 9 de Março último. E que motivou a sua incessante ação interna e externa, para minimizar fatores negativos e maximizar fatores positivos de confiança. E teria, mesmo, de ser incessante para poder tentar alcançar algum efeito sensível.

Sete meses volvidos, o que é que, na realidade vivida, contribuiu e contribui para maior confiança e o que é que proporcionou ou proporciona argumentos de maior desconfiança?

Do lado favorável à confiança avultam: a durabilidade do Governo e da complexa fórmula de apoio parlamentar; a descrispação do clima de confiança na sociedade Portuguesa, substituída por maior acalmia; o arranque da consolidação do sistema bancário, com apoio europeu; o compromisso do Primeiro-Ministro e do Governo de cumprir as metas do défice do Orçamento de Estado para 2016-2017, em termos aceitáveis pela Comissão Europeia; a sensação, agora aparentemente também assumida pelo Banco de Portugal, de que a meta para 2016 pode ser cumprida; a decisão da Comissão Europeia de não aplicar sanções a Portugal, alegadamente ao Orçamento de Estado de 2015, mas obviamente pensando na execução de 2016; a ideia de que a tão falada suspensão dos Fundos Estruturais, ou não existe, ou pode caducar rapidamente, ou só é sensível daqui a, pelo menos, dois anos; o ano turístico e digital; os debates acerca da evolução no emprego e no desemprego com contornos genéricos e, para muitos, conjunturais.

Do lado dos fatores desfavoráveis à confiança, cumpre indicar: a permanência de clivagens no plano dos partidos e dos parceiros económicos e sociais, em certa medida contrastando com a evolução na sociedade, mas impedindo ou limitando drasticamente pactos ou acordos políticos ou sociais; a não confirmação de previsões económicas, em particular, no Produto Interno Bruto e no investimento, mas, também, embora nos últimos valores mais esbatidamente, nas exportações; a insuficiência do consumo interno para compensar os números do investimento e das exportações; o eco inicial da lei das 35 horas, embora depois esbatido pela sua não aplicação generalizada a setores significativos da Administração Pública; a necessidade de ajustamentos nos impostos, em particular indiretos, para ir encontrando meios para cumprir o rigor orçamental, ao mesmo tempo que se repunha rendimentos anteriormente cortados e se ia mais longe em termos de prestações sociais, na sequência do equilíbrio da solução de apoio parlamentar existente.

Dito de uma maneira mais simples, nestes sete meses, a estabilidade política, a permanência e coesão na fórmula de Governo, o arranque da consolidação dos bancos e o respeito das metas para o défice do Orçamento de Estado ajudaram e ajudam a melhorar o panorama do começo do ano. A evolução económica de base e a manifesta complexidade na conjugação entre cumprir o défice, continuar a dar benefícios sociais e criar condições para o investimento – a subida da montanha, no dizer do Senhor Primeiro-Ministro –, são, ao invés, os problemas de tomo que persistem como preocupações de fundo neste final de 2016 e quase viragem para 2017.

Há sim que convir que, tudo somado, o Governo se encontra, sete meses volvidos, numa posição menos frágil, em termos de afirmação política, do que a do início do ano orçamental. Mas envolvido num quadro económico de evolução complexa e problemática.

Ainda assim, do lado dos reticentes à presente fórmula governativa, a análise é clara: este Governo, com esta base de apoio e estas medidas sociais, ou não vai durar, ou, se durar, não cumpre o défice, ou, se durar e cumprir o défice, condenará a economia a não crescer por muito tempo, até porque se não esperará grandes mudanças nas orientações europeias, e o quadro estrutural não será propício.

Ao invés, do lado dos apoiantes da fórmula governativa, os argumentos são os opostos: o Governo durou, sobreviveu a sucessivas previsões de queda, cumprirá os défices, promoverá mais justiça social e não desistirá de maior crescimento económico nos anos seguintes, com expectativa de maior flexibilidade europeia.

Deixando para outro momento a reflexão de fundo sobre a que a Europa deve fazer para se manter unida e nem confundir o que é bom para uns com o que é bom para todos, nem alimentar a legião dos insatisfeitos e contestatários, à espera de messianismos populistas, concentrar-me-ei, apenas naquilo que o Presidente da República considera essencial fazer, no contexto retratado.

Começando pelo aparentemente mais urgente e terminando no mais longínquo mas não menos premente.

Primeiro – garantir a estabilidade politica e social, evitar crises, fomentar distensão e acalmia coletivas.

Segundo – continuar a estabelecer pontes e defender acordos políticos e sociais de regime, a pensar numa visão de crescimento efetivo a médio e longo prazo, mesmo se, como tudo indica, de dificílima viabilidade no curto prazo. E, neste contexto, insistir na concertação social sem parceiros privilegiados.

Terceiro – criar condições para que os dois termos e polos da presente alternativa governativa – o do Governo e o da oposição – sejam o mais claros e fortes possíveis, para assegurarem aos portugueses caminhos inequívocos de escolha no presente e no futuro.

Quarto – apoiar tudo quanto corresponda ao cumprimento de compromissos europeus, no quadro da União Europeia e do Euro, evitando assim dramatizações e especulações indesejáveis.

Quinto – apoiar a consolidação do sistema bancário, estimulando confiança e evitando tudo o que a possa atingir, perturbar ou afugentar.

Sexto – chamar a atenção para o realismo e o pragmatismo na alegada conjugação do rigor orçamental com a justiça social.

Sétimo – secundar uma mais acelerada aplicação dos fundos europeus, que se tem apresentado como atrasada e, por isso, de eficácia limitada.

Oitavo – promover todas as reflexões e apoiar todas as iniciativas para incentivar o investimento, colocando acento tónico na estabilidade fiscal, na eficiência e eficácia da Justiça, em todas as componentes da produtividade e da competitividade na reforma do Estado ou no plano laboral.

Nono – manifestar acrescido empenho quanto a áreas em acelerada progressão, como o turismo ou o mundo do digital.

Décimo – convidar à reflexão de longo fôlego, como a de hoje, sobre os efeitos da globalização, o controlo das contas públicas, a qualificação, a recusa de excessos financeiros, a redução dos custos de contexto, a angariação direta do Investimento Direto Estrangeiro, a definição e execução consequente de uma política concreta de exportações, a formação profissional, a dimensão e capitalização das empresas, a projeção ajustada nas medidas setoriais.

Em síntese, temos pela frente desafios difíceis e urgentes.

Do mundo e da Europa não esperemos previsibilidades e ajudas excecionais, que não sejam o petróleo barato, o presente parcial da evolução genérica dos juros e da ainda que tendencialmente atenuada, e no futuro progressivamente atenuada, ação do Banco Central Europeu e a evolução lisonjeira de alguns, mas só alguns, dos nossos mercados europeus.

O essencial do trabalho terá de ser nosso.

Com coragem, estudo, realismo, serenidade, perseverança, busca de denominadores comuns no essencial para o regime, clareza de demarcação de alternativa de Governo. E capacidade de acreditarmos em nós próprios.

Como dizia o Dr. Pedro Ferraz da Costa, a nossa História mostra que, mesmo quando perdemos oportunidades maiores, e perdemos muitas oportunidades, resistimos e ultrapassamos as expectativas alheias sobre nós próprios.

Chegámos, nós e muitos dos nossos, onde ninguém imaginaria que pudéssemos chegar. O caso do Engenheiro António Guterres, como Secretário-geral das Nações Unidas, é um exemplo, fruto de mérito próprio, mas também de unidade nacional, de conjugação de esforços da área do Governo e da oposição e de criação de condições para tentar alcançar o sucesso desejado.

Vale, por isso, a pena, sem escamotear a verdade nem iludir os obstáculos, nem afastar a existência de alternativas que só ganham em ser claras e bem definidas, acreditarmos em nós próprios.

É o que se espera de nós, neste tempo, a pensar no País do futuro.

O povo português, como revelou, uma vez mais nos últimos quatro anos, merece-o. E é o mínimo que por ele podemos e devemos fazer.

13
Out
2016