Sessão evocativa de homenagem ao Presidente Mário Soares

Sessão evocativa de homenagem ao Presidente Mário Soares

Mosteiro dos Jerónimos

10 de janeiro de 2017

Inspirador lugar este em que nos encontramos, gentes de várias raízes e destinos, unidas pelo essencial: evocar e homenagear um Homem que fez História, sabendo que a fazia, mesmo quando tantos de nós nos recusávamos a reconhecê-lo.

Aqui também, se fizeram quinhentos anos de História.

Cada pedra nos fala das Áfricas, das Américas, das Ásias a que aportámos. Cada canto nos recorda os fastos de Quinhentos, as provações de Seiscentos, os sonhos de Setecentos, as guerras de Oitocentos e de Novecentos.

A memória de Herculano conta-nos essa História e outra mais antiga.

Mas, sobretudo, Gama mostra-nos os caminhos insondáveis da nossa aventura coletiva, Camões celebra a vocação universal que nos acompanha sem cessar, e Pessoa diz-nos que aventura e vocação se não desvaneceram, permanecem desassossego de hoje e acicate de amanhã.

Mais do que os respeitosos Paços do poder, em Belém ou em São Bento, este lugar é aquele que Mário Soares merecia para o nosso inesquecível encontro.

Porque nestes Jerónimos se convocam a História que ele estudou antes de a fazer, a Cultura que ele criou com talento e com deleite, e o ecumenismo que foi o corolário inevitável da sua inteligência e da sua liberdade.

E também o Humanismo e a Portugalidade.

Humanismo – na riqueza de uma Renascença Manuelina povoada de imagens dos novos mundos a que os portugueses iam chegando.

Portugalidade – na nossa capacidade de ir e de voltar, trazendo à Europa o que ela desconhecia.

Humanismo e Portugalidade – luminosos traços deste lugar, que tão bem se quadram ao Homem e à vida que viemos assinalar!

Humanismo que definiu Mário Soares – um Humanismo em que o iluminismo racionalista avulta, mas caldeado pelo conhecimento dos tempos que o antecederam, abrasado ao calor do liberalismo, enriquecido pelos socialismos variados – dos marxistas aos personalistas –, e, depois, vivido com a premência dos existencialismos e dos neorrealismos, fundindo letras e artes plásticas, tudo ao serviço de uma intervenção política e social, incessantes e galvanizadora.

Porque de um Humanismo situado, combatente, militante se tratava, no afã de refazer Portugal.

Portugal – princípio e fim de um percurso que, para Mário Soares, era um desígnio. Mas um desígnio aberto.

Aberto à Europa, seu sonho e sua conquista, aqui conjurada a contribuir para um Mundo melhor, neste mesmo claustro, em 1985.

Aberto à Comunidade que partilha a mesma língua, presente em todos os Continentes, e, por igual, no seu espírito.

Aberto ao mundo ibero-americano que o Atlântico une e projeta nas mais diversas latitudes e longitudes.

Aberto ao Universo, sem limites físicos ou espirituais.

Ao melhor jeito da nossa Portugalidade. Uma Portugalidade ambiciosa, generosa, fraternal, franqueada a tudo e a todos. É certo que, diversa da Portugalidade de outros, que, sendo igualmente ecuménicos, teriam esperado um Império imorredouro. Antes, Portugalidade lida à luz do realismo dos novos contextos e da liberdade dos povos.

Foi assim Mário Soares. À sua maneira, no seu tempo e no seu modo, um singular Humanista e construtor de Portugalidade.

Por isso, aqui viemos e aqui estamos hoje. Com uma saudade feita futuro.

E, por isso, daqui partimos, lembrados da sua telúrica resistência, desafiados pela sua indómita vontade, gratos pela sua ilimitada coragem e liberdade – partilhadas com a sua companheira de vida e inspiradora Maria de Jesus – mobilizados todos para que não mais Portugal seja «meu remorso, meu remorso de todos nós» de O’Neill ou «o exílio que se inscreve em pleno tempo», de Sophia.

Recordando, ao invés, o mesmo Ricardo Reis que Mário Soares acabou por converter em lema de vida:

«Para ser grande, sê inteiro: nada teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa. Põe quanto és no mínimo que fazes.»

Assim foi Mário Soares.

Assim o recordaremos para sempre.

Em nome de Portugal, mas de todo o Portugal, obrigado Mário Soares.

10
Jan
2017