Sessão Pública de Apresentação da candidatura à Presidência da República

Voz do Operário

Sessão Pública de Apresentação
da candidatura à Presidência da República

Voz do Operário, Graça

Lisboa, 24 de outubro de 2015

Muito boa tarde.

Muito obrigado pela vossa presença.

Vinha de Bragança há pouco, com uma pessoa amiga que conduzia, aproveitava para corrigir pontos de Direito Administrativo e vinha a pensar, com o tempo que está e estava pior lá em cima do que cá em baixo, como vai ser possível mobilizar tantas e tantos lisboetas para este nosso encontro que não é um comício, que é uma apresentação pública da minha candidatura. Queria agradecer-vos o que têm feito nas últimas duas semanas!

Arrancámos com uma candidatura muito simples, uma candidatura sem estruturas, uma candidatura que está a proceder à recolha de assinaturas e neste momento é crucial essa mobilização. Conto convosco, com essa mobilização que vai por todo o País para podermos cumprir o prazo e então esta candidatura passar a ser formalmente uma candidatura em condições de estar presente e vencer as eleições do próximo mês de janeiro.

Amigas e amigos,

Depois de Celorico de Basto e do Porto, chegou a vez de Lisboa. E faz todo o sentido que seja assim. Porque durante séculos, Lisboa foi o ponto de chegada de Portugueses de outras origens e era possível encontrar nos lisboetas, nas lisboetas, várias e vários deles de origem minhota, de origem transmontana, de origem beirã, de origem alentejana, ribatejana, algarvia, madeirense ou açoriana. O País fez-se do Norte para o Sul, e, portanto, fez todo o sentido que eu arrancasse na terra das minhas raízes familiares, seguisse para o Porto e do Porto chegasse a Lisboa.

Hoje Lisboa é diferente. É hoje uma metrópole, ponto de chegada e de partida de gentes de todos os continentes. Gentes que vêm de África falando língua portuguesa, que vêm do Brasil, que vêm da Europa, e se alguma coisa podemos estranhar num país que é tão inclusivo como o nosso é o facto singular de cerca de quatrocentos mil, quinhentos mil emigrantes aqui estarem, aqui viverem, aqui criarem riqueza e, no entanto, não estarem praticamente representados nem no poder central, nem no poder local, nem na vida política nem nos parceiros económicos e sociais. Dir-se-ia que há dois países: o país social que trabalha e cria riqueza, em que entram esses quatrocentos ou quinhentos mil nossos conterrâneos; e depois, o país cívico, o país político que se preocupa legitimamente com a situação dos Portugueses espalhados pelo mundo, mas que ainda não encontrou uma forma de dar voz ativa e representação àqueles que, entre nós, são uma realidade social e política relevante.

Estamos em Lisboa e terão perguntado: porquê esta sala? Estamos numa sala com História. De uma instituição com História. Escolhi esta sala e esta instituição de propósito para mostrar uma coisa muito simples: os lugares simbólicos na nossa Pátria são património de todos. São respeitados por todos e são vividos por todos. Não são apenas de alguns, são de todas as Portuguesas e todos os Portugueses. Este lugar é um símbolo de luta pela liberdade, pela igualdade, pela justiça social, por valores que explicaram a educação popular, a saúde solidária, os direitos laborais, a participação cívica.

Há 135 anos, um homem, sozinho, Custódio Braz Pacheco, trabalhador da industria tabaqueira, não alinhado partidariamente, mas lutador pelos direitos dos trabalhadores, criou a Voz do Operário. Criou primeiro um jornal, A Voz do Operário, e três anos depois surgiu a associação que existe hoje e que começou uma obra notável, educando os mais pobres e explorados, dando estruturas mutualistas, proporcionando balneários públicos, postos médicos de apoio, creches e centros de idosos, biblioteca e atividades culturais. Hoje está presente em vários polos escolares, aqui na Graça, no Laranjeiro, na Baixa da Banheira, no Lavradio, na Ajuda e no Restelo.

O facto de estarmos aqui hoje reunidos nesta sessão de apresentação de candidatura é simultaneamente uma homenagem ao setor da chamada economia social, uma homenagem às instituições particulares de solidariedade social, às misericórdias, às mútuas, às cooperativas, aos centros paroquiais, às iniciativas de inúmeras juntas de freguesia e câmaras municipais. Sem esse setor da economia social, a crise por que passámos nos últimos anos não teria sido vivida, enfrentada, com a rede de solidariedade, com a rede de fraternidade, com a rede de eficácia e eficiência que atravessou todo o País. Por outro lado, permite-nos outro objetivo: já no Porto disse que uma das grandes finalidades desta candidatura é a justiça social. É evidente que, para que haja justiça social, é preciso haver condições económicas e financeiras de crescimento e de progresso do País, mas essa justiça social é, nos próximos cinco anos, a prioridade das prioridades quando olhamos para a situação de muitos Portugueses. Menos jovens, preocupados com as suas pensões e reformas. Sem emprego, ou com emprego de apreciável duração e com um perfil socialmente preocupante. Muitas dessas Portuguesas e muitos desses Portugueses com dificuldade de saída profissional, os mais jovens, em particular os mais qualificados. Um quarto das Portuguesas e dos Portugueses sofrendo ainda o flagelo da pobreza. Sem outra sociedade mais justa e igualitária, de pouco servirá a preocupação legítima de rigor financeiro e de equilíbrio politico. Se há rigor financeiro e se há equilíbrio político é por um objetivo: o objetivo social, o objetivo de promoção das pessoas, o objetivo do combate às desigualdades, o objetivo de criação de um país mais justo e fraterno. Porém, se me permitem, vou também aproveitar para explicar a lógica desta pré-candidatura, uma vez que a candidatura estará apenas formalizada no momento em que as assinaturas recolhidas por todo o País forem entregues onde devem ser entregues.

Começámos por Celorico de Basto, por razões afetivas, por razões pessoais, por razões familiares, e aí expliquei porque tinha decidido candidatar-me: por um imperativo de consciência, entendia que não podia fugir a essa responsabilidade perante o País. Depois, no Porto, fui mais longe: há uma semana, expliquei os grandes princípios da candidatura e também as regras a que vai obedecer a campanha eleitoral; os grandes princípios da candidatura, apontando para um país que seja, como foi sempre ao longo da sua História, uma plataforma entre continentes, entre culturas, entre civilizações, com os Portugueses que estão dentro do território e os Portugueses que estão fora do território, uma plataforma baseada na inovação, na educação, na ciência, na formação, no progresso e no desenvolvimento. Ligando a comunidade de países de língua portuguesa com a nossa pertença europeia e com uma visão transatlântica. E depois, explicando por que esta campanha vai ser como vai ser. Não é impunemente que se trata de uma campanha verdadeiramente independente. Uma campanha que arranca com uma grande limitação de estruturas e meios porque, no tempo vivido por tantas Portuguesas e por tantos Portugueses, não seria justo nem seria compreensível que fosse uma campanha de outro modo. E temos seguido este caminho, e hoje chegou a hora de vos explicar o que penso sobre os poderes do Presidente da República.

Algumas e alguns dos que me têm ouvido têm estranhado o facto de aqui e ali eu ter lido, ao contrário do hábito do professor e do hábito daquele que, semana a semana, ao longo de muitos anos, contactou com milhões de Portuguesas e Portugueses. A razão é muito simples: quando se trata de assumir compromissos, é bom que fiquem por escrito; quando se trata de assumir compromissos de princípios ou de campanha, é bom que não haja dúvidas quanto às palavras utilizadas. E tudo na nossa pré-campanha tem um tempo e tem uma explicação. Porque esta campanha vai ser, tem sido, uma campanha de futuro, uma campanha de juventude, uma campanha de alegria, uma campanha de esperança, mas uma campanha também de esclarecimento. Por alguma razão disse que não tenciono comentar, direta ou indiretamente, nenhuma outra candidatura. Porque as pessoas querem ouvir o que nós pensamos sobre Portugal, as Portuguesas, os Portugueses e os seus problemas. Não é, pois, uma campanha contra ninguém. Não me candidato contra ninguém. Candidato-me por Portugal. E este esclarecimento dos Portugueses só ganha com a serenidade, com a clareza, com o caráter desapaixonado da campanha que explique em vez de inflamar, que convença em vez de impor, que seja próximo e afetivo em vez de ser distante e frio.

Há oito dias, no Porto, disse que o Presidente da República vai ter três desafios políticos sérios nos próximos anos: O primeiro deles é o de contribuir para a estabilização a vida política nacional; o segundo é o de criar convergências e consensos; e o terceiro é o de promover aproximação entre Portuguesas e Portugueses.

O primeiro, que é o mais limitado, mas que é muito importante, é o de trabalhar para promover a estabilização da vida nacional, concretamente a vida política nacional, trabalhando todos os dias pela governabilidade. A governabilidade é um bem essencial. É um trabalho constante, é um trabalho permanente, antes, durante e para além dos períodos críticos de eleições ou de formação de governos.

A segunda tarefa é a de criar convergências, onde já existiram e deixaram de existir. Onde ainda não existiram. Recuperar as convergências perdidas, alargar essas convergências. Alargar as convergências para tornar mais previsível a vida das Portuguesas e dos Portugueses. Para que não haja mudanças no essencial todos os anos ou todos os quatro anos. Em aspetos que são fundamentais, para cada qual prever e planear o seu futuro. Por exemplo, no sistema de avaliação educativa, na rede hospitalar, na sustentabilidade da segurança social, no ordenamento do sistema judicial, nos quadros fundamentais da administração pública. Trabalhar para que se recuperem os consensos perdidos e se alarguem esses consensos é uma tarefa do Presidente da Republica. E depois, e sobretudo, uma outra missão fundamental: aproximar os Portugueses. Favorecer a união, que não é uma união nacional, que não é uma união imposta. É um caminho de aproximação e de entendimento e de diálogo entre os Portugueses.

Os mais velhos de entre nós, lembramo-nos da grande alegria que tivemos com o 25 de Abril e com o nascimento da democracia e depois como vivemos a revolução. E como é inevitável em todas as revoluções, houve excessos durante o período revolucionário. E nesse período, os excessos que existiam de quando em vez traduziam-se, entre outras coisas, em dividir os Portugueses em patriotas e não patriotas. Em bons Portugueses e maus Portugueses. Em democratas e antidemocratas. Naqueles que podiam ter o exclusivo de acesso ao poder e aqueles que estariam marginalizados indefinidamente do poder.

Passaram mais de quarenta anos. E uma coisa que nós sabemos e que eu sei: nós não queremos voltar a esse tipo de visão entre os Portugueses. Somos todos Portugueses. Cabemos todos na democracia. Temos todos a plenitude dos direitos constitucionais, nomeadamente os direitos de participação. Naturalmente porque há democracia, há pluralismo, discordamos das soluções, consideramos que há soluções económicas, financeiras, sociais, culturais e políticas que são melhores do que outras. E cada qual tem o seu pensamento e tem direito a tê-lo e a defendê-lo. Esse debate é legítimo, mas tem de ser um debate feito com serenidade, um debate feito com compreensão, um debate feito sem exclusões e sobretudo sem confundir duas coisas diferentes: adversários e inimigos. Uma coisa é a política dos adversários, outra coisa é a política dos inimigos. Não há Portugueses inimigos de Portugueses. Pode haver Portugueses adversários de Portugueses. Isso faz toda a diferença.

Acaba de ser eleito Primeiro-Ministro do Canadá um jovem, cujo pai também foi Primeiro-Ministro do Canadá, que tem como lema um lema que acho muito bonito: ultrapassar o medo com a esperança. Diria ultrapassar o medo, ultrapassar a arrogância, ultrapassar a crispação com a esperança.

Esse é um grande desafio que temos neste momento e nos próximos anos no nosso País. O que nos une é muito mais importante do que o que nos separa. É um dever de todos trabalhar pela esperança. É um dever de todos trabalhar pela aproximação dos Portugueses. É um dever de todos e em particular dos mais responsáveis, aceitando os outros, com serenidade, com humildade. A humildade democrática é isso mesmo, não é cada qual deixar de defender o que entende que é melhor para o bem do País. É aceitar a riqueza da diversidade, aceitar a inclusão e não impor a exclusão.

É evidente que há momentos em que isso é mais difícil, como no calor de uma refrega eleitoral. Temos quarenta anos ou mais de campanhas eleitorais e de eleições, e sabemos como em período de pré-campanha ou campanha eleitoral é mais difícil ultrapassar aquilo que nas emoções domina a razão. É mais difícil quando essas eleições culminam em resultados que são sujeitos a leituras muito variadas. E as semanas são intensamente vividas em termos afetivos. Mas já disse há uma semana algo que repito hoje: as presidenciais não são uma segunda volta das legislativas. Nem são uma compensação pelas semanas que vivemos ou que iremos viver nos próximos meses. As presidenciais são coisa completamente diversa. Não podem ser nem uma nem outra destas realidades, não devem ser. E cabe a todas as Portuguesas e a todos os Portugueses este esforço pedagógico, democrático, de construir esta esperança mesmo nos momentos mais difíceis da sua construção. Fazendo pontes, aproximando pessoas, garantindo governabilidade, as tarefas, que apontei em particular, do próximo Presidente da República.

Mas a pergunta é: como o fazer? Com um presidente presidencialista? Com um presidente parlamentarista puro? A Constituição responde e muito bem, a meu ver, a esta pergunta: nem com um, nem com outro. Nem com um presidente presidencialista, nem com um presidente parlamentarista puro. Antes com um presidente que não queira substituir-se aos demais poderes do Estado, mas que não lave as mãos ou hesite em exercer os seus poderes de acordo com o manifesto interesse nacional.

Um presidente que fosse ao mesmo tempo primeiro-ministro, se quisesse substituir ao governo, quisesse mandar no governo, tivesse a tentação de dirigir a administração pública, isto é, um presidente presidencialista, seria indesejável. A nossa História já demonstrou que dificilmente deixaria de conduzir a um abuso de poder, a uma concentração que não é boa de poderes no Estado português.

Por seu turno, um presidente que se apague totalmente, que não seja uma referência de Estado, uma voz decisiva na representação do povo e na pedagogia em relação aos outros poderes públicos, que não seja um fusível de segurança para as situações de crise, seria igualmente indesejável. Um balanço da nossa História política também não é bom neste particular, facilmente se criaria um clima de incerteza, que seria negativo em termos políticos, económicos e sociais. O Presidente da República deve ser, tem de ser, um referencial do Estado. Simultaneamente uma voz representativa das aspirações, das angústias, dos sonhos, das desilusões populares e uma segurança para os períodos de crise. Tudo no estrito respeito da Constituição que permite estilos diversos, embora nunca ultrapassando as fronteiras da repartição dos poderes de Estado. Prometer mais do que isto, prometer um presidente presidencialista, é enganar as Portuguesas e os Portugueses, dizendo-lhes que o Presidente pode o que na verdade não pode. Ou que haveria uma mudança na Constituição que se sabe ser impossível neste instante, após as eleições legislativas. Prometer menos do que isto é esvaziar as funções presidenciais, deixando sem resposta crises que possam surgir no futuro. Seria naturalmente limitar o entendimento constitucional do papel do Presidente da República no nosso País.

Como se sabe, fui deputado à Assembleia Constituinte e participei na feitura da Constituição; depois acompanhei de muito perto as revisões de 1982 e de 1997, e recordo-me muito bem, como se fosse hoje, do que foi viver uma revolução com pouco mais de vinte anos e participar na elaboração de uma constituição em menos de um ano, no meio de uma revolução, com os altos e baixos próprios de um tempo de grandes debates e de grandes emoções. Depois também me lembro do que foram as noites seguidas de conversações no meu gabinete de Ministro dos Assuntos Parlamentares em 1982, ou com responsáveis cimeiros do partido do Governo quando era líder da oposição em 1997. Desde 1976/77 que ensino a Constituição Portuguesa. Além de ouvir e ouvir sempre aprendendo muito todos os demais cultores do direito constitucional, eu próprio não só participei na feitura da Constituição, como estudei, continuo a estudar e tenho ideias pessoais sobre aquilo que é a interpretação da Constituição, sabendo como é importante conhecê-la e respeitá-la escrupulosamente. E também pensei que os tempos que se avizinham não são tempos fáceis para debates de revisão constitucional.

É verdade que recentemente foram apresentadas sugestões de revisão do estatuto presidencial pelo Senhor Presidente da República. Percebo que seja tentador, a quem se aproxima do termo das suas funções, fazer um balanço e apresentar ideias retiradas da sua experiência pessoal. É humano e é respeitável.

Mas não penso que a prioridade política essencial para estes tempos que se avizinham seja discutir a Constituição ou os poderes que nela tem o Presidente da República. Em qualquer caso, é uma decisão que compete ao Parlamento, não ao Presidente da República. Por mim, parece-me sim particularmente urgente aproximar pessoas, aproximar comunidades, aproximar instituições, trabalhar por convergências, fomentar a estabilidade política.

Tudo o que vá contra essas urgências ou crie ruído quanto a elas talvez possa e deva esperar um pouco. A Constituição que temos consagra um sistema de equilíbrio de poderes, que uns chamam de semipresidencial, outros de semiparlamentar, entre o Presidente da República e a Assembleia da República.

O Presidente da República representa o Estado cá dentro e lá fora. É o comandante supremo das Forças Armadas, nomeia o Primeiro-Ministro e o resto do Governo, pode vetar leis da Assembleia da República e do Governo, por discordância política ou por dúvidas que tenha quanto ao respeito da Constituição, pedindo então ao Tribunal Constitucional que se pronuncie. Pode exonerar, em circunstâncias excecionais, o Primeiro-Ministro em caso de irregular funcionamento das instituições. Pode dissolver a Assembleia da República e convocar novas eleições e nomeia titulares de alguns dos altos cargos do Estado.

Isto é, tem no dia a dia poderes importantes para garantir que as instituições funcionem com respeito da Constituição e de forma regular. Esses poderes são, porém, limitados. Por exemplo, quem conduz a política de defesa nacional e a política externa é o Governo. A nomeação do Primeiro-Ministro deve atender ao resultado das eleições legislativas e ser precedida da audição dos partidos parlamentares. O veto das leis do Parlamento pode ser por este ultrapassado, com uma maioria mais elevada de deputados. A exoneração do Primeiro-Ministro exige uma crise muito grave. A nomeação para altos cargos do Estado depende de proposta do Governo. Verdadeiramente muito forte é o poder de pedir ao Tribunal Constitucional que controle se as leis se submetem à Constituição antes de as promulgar, ou seja, assinar. O veto definitivo dos decretos-lei do Governo, que pode paralisar a sua atividade e o poder de dissolver a Assembleia da República.

Isto é, o Presidente tem um poder de controlo moderado no dia a dia, mas um poder decisivo em situações mais críticas. Disse-vos, contudo, que o sistema era equilibrado e por isso o Parlamento ou a Assembleia da República têm poderes muito vastos.

Pode rejeitar o programa de Governo, pode rejeitar um voto de confiança no Governo, pode votar a censura ao Governo, tudo provocando a sua demissão. E no dia a dia fiscaliza a atividade governativa, além de aprovar as leis mais importantes e as deliberações políticas mais significativas. Compete ao Parlamento, nomeadamente, aprovar o Orçamento do Estado.

Como todo o sistema é feito de equilíbrios, este tanto pode ter fases de aplicação com maior apagamento do Presidente, como outras de maior relevo presidencial. Por exemplo, se houver uma maioria absoluta de um partido ou de uma coligação, muito coesos e com um líder forte no Governo, o Presidente tende a apagar-se. Se houver uma maioria absoluta com uma coligação instável, o Presidente ganha mais peso. Se houver uma maioria relativa, o Presidente ganha ainda maior relevo. Se houver crise nos partidos, cisões e instabilidade no Parlamento, o Presidente pode chegar a ter um poder particularmente decisivo — embora sempre no respeito da Constituição.

À margem destas situações, conta muito o estilo do Presidente e se ele está no primeiro ou no segundo mandato — e neles, mais perto do começo ou mais perto do fim. Algo no meu espírito sempre tive como certo: um Presidente que quer reeleição pode ser tentado a orientar o final do mandato a pensar nessa reeleição. Não que tenha sucedido no passado com nenhum dos nossos Presidentes, mas pode ser uma tentação no futuro. O que já me levou a defender que, não havendo em Portugal um só mandato de seis ou sete anos como seria o ideal, mas sim, dois mandatos de cinco anos, algum dia um presidente eleito dará o exemplo de fazer os seus cinco anos sem nenhuma reeleição e por isso não se condicionando por causa dela.

Além dos poderes que referi, o Presidente da República tem um poder muito importante e a que se liga pouco: o magistério, isto é, de influência, pelo que diz, pelo que propõe, pelo que aponta, pelo que intermedeia. Este poder nem sempre é exercido publicamente e, quando não o é, pode também ser igualmente eficaz. O Presidente pode e deve ouvir a toda a hora os partidos políticos, parlamentares e não parlamentares, os parceiros económicos e sociais, os setores variados da sociedade civil. Ouvir e aproximar, fazer pontes, esbater choques, estimular entendimentos, ou, pelo menos, pistas de diálogo. Muitas vezes os Portugueses pensam que os problemas entre responsáveis são só de ideias, são só de doutrina, são só ideológicos. Mas não são. São também muitas vezes de falta de diálogo. Por exemplo, como é possível, em alguns temas em que o consenso é possível e desejável, como temas europeus e, nestes, em temas essenciais, que partidos mesmo com posições muito próximas estejam durante longos períodos sem falar entre si, uns com os outros — nem sequer para ajustar posições comuns de interesse nacional, com exceção das audições previstas antes de todas as cimeiras europeias? Este poder de influência do Presidente, compondo conflitos, aproximando pessoas, partidos, parceiros económicos e sociais, tem de ser exercido muitas vezes de forma discreta para poder ter resultado. Recordo o papel do Presidente Jorge Sampaio nos três anos em que fui líder da oposição, ao ajudar no entendimento com o Primeiro-Ministro António Guterres. Foram muitas diligências, muitas conversas, muitas pequenas e grandes intervenções para facilitar confluências sobre a Europa, o euro, a revisão constitucional, os Orçamentos do Estado.

Nos anos que se avizinham, vai ser ainda mais necessária esta influência. Porque o mundo, a Europa e algumas evoluções da vida portuguesa o vão exigir. Contudo, este poder de magistério não se esgota na influência sobre os principais protagonistas da cena pública. É essencial a permanente ligação do Presidente com as Portuguesas e os Portugueses. Já se ensaiaram vários esquemas possíveis. Nestes quarenta anos de democracia, foi ensaiado o esquema das presidências abertas, dos roteiros temáticos, da comunicação pela Internet. As redes sociais têm ganhado uma crescente importância, e vai aumentar nos próximos cinco anos. É por isso inevitável que o Presidente esteja atento a essa influência, mas a sua utilização presidencial tem de ser cuidadosa para não suscitar problemas evitáveis.

A facilidade de comunicações retirou algum peso às presidências abertas, mas a proximidade das pessoas ganhou maior apelo. Os roteiros temáticos podem às vezes ficar só no conhecimento dos especialistas, mas podem servir para estimular iniciativas e instituições. Uma coisa é certa: apesar da circulação mais fácil das ideias e das pessoas, há, entre nós, cada vez mais Portugueses sós. A solidão é um dos problemas da sociedade portuguesa. Há entre nós cada vez mais carência de proximidade. Há entre nós cada vez mais expectativas de que o Presidente possa ouvir de perto, servir de porta-voz, nunca se afastar dos que mais precisam, dos mais carenciados, dos mais dependentes, dos mais excluídos, dos mais marginalizados. Sobretudo as crianças, os mais idosos, os mais fracos, os portadores de deficiência, os mais sujeitos a abusos ou assédios físicos ou psicológicos. Quer nos pontos mais distantes de Portugal, quer nas desumanas áreas metropolitanas. Eu, pela minha própria maneira de ser, que não enjeito, sou naturalmente próximo das pessoas, e não vou mudar um centímetro. Serei um Presidente exatamente como sou professor, exatamente como sou dirigente de instituições de solidariedade social ou como tenho sido, em casos pontuais, voluntário em hospitais ou como fui, ao longo de muitos anos, na comunicação social: próximo, aberto, direto, frontal, preocupado com problemas, mas não problemas etéreos, abstratos, antes problemas concretos de pessoas de carne e osso. Porque o voluntário lida com pessoas concretas de carne e osso, o professor lida com pessoas concretas de carne e osso, não lida com abstrações.

Deixem-me que vos diga que acho que o grande desafio que me espera é este: enquanto Presidente, descobrir o que em cada momento pode unir mesmo os Portugueses, as causas que podem juntá-los e torná-los mais solidários, dando-lhes razões que os convençam de que são mesmo causas nacionais — porque às vezes há causas que parecem para o poder político obviamente causas nacionais, mas as pessoas não percebem que sejam tão importantes na sua vida. Houve momentos na vida portuguesa em que todos nos unimos e percebemos que era uma causa nacional. Por exemplo, em relação a Timor-Leste: de repente, o País todo se levantou em torno de uma causa que tinha que ver com uma sociedade onde a esmagadora maioria dos Portugueses nunca tinha ido nem nunca iria, mas onde se passava um problema essencial, e foi assumido como fundamental para a vida das Portuguesas e dos Portugueses. E o País sentiu-se solidário e demos todos as mãos, gente dos mais diversos partidos, da esquerda à direita, do centro-esquerda ao centro-direita.

Que causas serão um desafio no futuro? Talvez uma para aqueles que como os menos jovens tanto os preocupa, de que vos falei inicialmente. A causa do combate às desigualdades em Portugal. Porque há muitas Portuguesas e muitos Portugueses menos jovens que sofrem isso no seu dia a dia, e essa é uma causa que deve ser partilhada por eles, mas também pelos mais jovens: deve ser uma causa nacional. E ao mesmo tempo, a pensar nos mais jovens, a causa da educação, da ciência, da inovação, projetando essa juventude cá dentro com mais hipóteses para cá ficar, mas também lá fora, fazendo de Portugal essa realidade de plataforma presente em todo o mundo.

Esta semana estive em Londres num encontro com uma maioria esmagadora de jovens investigadores, cientistas, académicos, trabalhadores em empresas privadas, trabalhadores independentes, que estão no Reino Unido como outros estão por todo o mundo. Esta é uma nova geração de emigração, e percebi que estávamos ali perante uma geração particularmente qualificada que, mais do que eu já tinha entendido, brilhava numa sociedade estrangeira. Tinha peso numa sociedade estrangeira. Eles são os melhores dos melhores. Os melhores dos melhores em indústria, os melhores dos melhores em universidades, em academias, em institutos de investigação. E a quererem voltar, uns mais depressa, outros daqui a mais algum tempo, ou a quererem fazer a ponte entre o estar cá dentro e o estar lá fora. Há aqui uma causa que é no fundo uma rede que junta estas Portuguesas e estes Portugueses mais novos, e é uma causa fundamental. Há um deles que se levanta e me pergunta: «Ó Professor, o que podemos nós fazer por Portugal?» E eu disse: O que vocês estão a fazer. O que estão a fazer fazem por Portugal. Fazem de uma forma que mais ninguém poderia fazer. Estão a prestigiar e a promover e a projetar Portugal onde Portugal não tinha essa projeção. Porque não havia uma forte comunidade emigrante no Reino Unido. Com projeção havia sim, e há, noutros países da Europa: em França, no Luxemburgo, na Alemanha, na Suíça. Em muitos outros países. Ali não havia e há.

Encontrar essas causas, encontrar forma de se partilhar essas causas, penso ser fundamental porque sinto muitas vezes, e já sentia como professor, e quando analisava a situação política portuguesa, que as Portuguesas e os Portugueses olham para o que é a radicalização dos debates na vida política, económica e social portuguesa e perguntam-se: mas não é possível haver em comum mais do que aquilo que separa? Não é possível haver em comum convergências que ultrapassem o que separa? Às vezes há momentos em que nos convencemos de que, fruto da crispação, do tom, do estilo, da contundência das posições, se perdeu a hipótese de fazer essa convergência. Não desisto de a fazer. Não desisto de a fazer com todos. Nessa convergência cabem todos. Não há bons nem maus. Não há preferidos nem preteridos. São todos igualmente Portugueses. Portuguesas e Portugueses.

Mas permitam-me agora chamar a atenção para temas que considero fundamentais no estatuto presidencial.

Primeiro: o poder de nomeação e de exoneração do Primeiro-Ministro. Há oito dias, disse que, na nomeação dos primeiros-ministros, o Presidente tem o poder de arranque, não pode nem substituir-se aos partidos que têm o poder de viabilizar ou não no Parlamento, nem deixar de exercer o seu poder constitucional, acompanhando o processo, procurando as aproximações que permitam governos viáveis e duradouros. Todos nos lembramos de como sucessivos Presidentes da República foram chamados a dar substância a este poder de nomeação do primeiro-ministro e dos Governos. E sabemos mesmo, que nalgumas circunstâncias, o primeiro Presidente da República eleito, o Senhor General Ramalho Eanes, recusou um governo proposto por uma coligação maioritária. Com o segundo Presidente, o Senhor Dr. Mário Soares, recusou um governo com apoio parlamentar maioritário. E como o terceiro Presidente, o Senhor Dr. Jorge Sampaio, ouviu e ponderou longamente, e recordo-me bem por ter participado nessas audições, antes de aceitar uma mudança de chefia do Governo numa coligação maioritária. O que significa que é um poder politicamente muito sensível.

Há uma semana afirmei o que repito hoje, porque terá porventura passado despercebido. Disse que as Portuguesas e os Portugueses votam, que a sua votação se repercute na composição da Assembleia da República com forças políticas mais votadas do que outras. O Presidente da República deve, atendendo à precedência do voto e da representação parlamentar dessas forças, tudo fazer no que está ao seu alcance para obter governos viáveis e duradouros. E acrescentei: envolvendo Orçamentos do Estado no caso da votação do Orçamento do Estado ser vizinha da Constituição, da formação do Governo. E aditei considerar que não é bom para um país saído de uma situação de crise ter de viver seis, sete, oito meses, sem um Orçamento do Estado — o que, como sabem, implica um governo em plenitude de funções.

O que significa isto quanto ao papel do Presidente, tal como o vejo nos próximos cinco anos? Significa, em primeiro lugar, que o Presidente não só está num momento que é o ponto de partida do processo de formação de um governo, como o seu empenho, no meu entendimento, é mais do que a postura de um chefe de Estado parlamentar. É uma postura que implica tudo fazer para criar convergências e soluções viáveis e duradouras, sempre respeitando o papel da Assembleia da República. Implica igualmente outra coisa muito importante, que tem que ver com o que vos disse há pouco: quanto maior, mais eficaz e mais duradouro for o poder de magistério e de influência do Presidente antes de eleições e antes da formação de Governo, mais eficaz é no momento subsequente às eleições e por ocasião da formação de Governo. Isto é, este ponto fundamental corresponde a uma preocupação minha, a de que o papel presidencial, nesta como noutras circunstâncias, começa verdadeiramente a ser exercido muito antes do ato eleitoral e muito antes da formação do Governo. Há contactos que existem ou que não existem. Há possibilidades de diálogo que se criam ou não se criam. Há possibilidades de abrir caminho, abrir pistas para convergências ou não há. E essa é uma responsabilidade enorme que assumo para os próximos cinco anos. É de facto trabalhar desde o primeiro dia no sentido de aplanar os caminhos, de fazer o que há pouco vos disse que fez o Presidente Jorge Sampaio relativamente ao então Primeiro-Ministro António Guterres e ao então líder da oposição Marcelo Rebelo de Sousa: criar as pontes, criar as empatias, que são de ideias, que são de estratégias, que são comportamentais. É um longo processo e difícil processo, mas é um processo essencial.

Quanto à exoneração do Primeiro-Ministro, como já vos disse, só é constitucionalmente possível em caso de grave crise política que afete o regular funcionamento das instituições. O Presidente deve ser reservado a usar este poder. É um poder de último recurso. E sobretudo só o deve utilizar não havendo alternativas no quadro parlamentar existente.

Uma segunda observação que queria fazer quanto ao poder de dissolução da Assembleia da República. (E, como veem, torno claro tudo o que entendo sobre os poderes presidenciais em relação ao futuro.) É um poder livre do Presidente da República, mas não é um poder absoluto. Deve ser exercido no caso de os problemas verificados no Governo, ou nas relações entre Governo e Parlamento, revelarem ou suscitarem graves situações críticas que comprometam o interesse nacional e que não sejam compatíveis com uma solução no quadro parlamentar existente. O Presidente deve ainda, ao exercer esse poder, ponderar, por um lado, a repercussão do seu exercício em instrumentos essenciais para a governação, como o Orçamento do Estado, e, por outro lado, a probabilidade de a devolução ao povo da escolha pelo voto de caminhos e representantes poder ou não abrir pistas de solução para as situações críticas invocadas. É uma ponderação complexa, e duas coisas são a meu ver óbvias. Primeiro, não há nomeação, exoneração ou dissolução anunciadas, isto é, a apreciação a fazer quanto ao exercício de qualquer um destes poderes deve fazer-se no momento exato em que se apresente ou não a necessidade nacional desse exercício. Não meses antes, nem anos antes. Segundo, no que depender de mim, tudo farei para tentar não onerar o meu sucessor com problemas evitáveis quanto ao exercício destes poderes do Estado.

Terceira nota, os poderes presidenciais em matéria de veto de leis, em particular do Parlamento. O pedido de controlo pelo Tribunal Constitucional deve derivar sempre de dúvidas de constitucionalidade. O veto político não deve ser fundamentado em razões de constitucionalidade, mas em razões políticas. Sempre o entendi. Estas razões podem envolver a pré-compreensão que o Presidente tem da realidade política e económica e social, mas têm sempre de dar peso decisivo à avaliação do que é a sociedade no momento em que o veto é exercido. Dito de outra maneira: o Presidente não pode esquecer a pessoa que é, mas também não pode reduzir o desempenho do cargo a mera afirmação pessoal, esquecendo a dimensão institucional.

 

Amigas e amigos,

Portuguesas e Portugueses,

Esta é a minha visão do papel do Presidente da República em Portugal. E vim aqui hoje, neste lugar simbólico, dizer com toda a clareza a visão que tenho sobre uma matéria muito sensível da vida portuguesa.

Um Presidente que respeite e faça respeitar a Constituição. Um Presidente que respeite a separação de poderes, mas que use todos os poderes que tem se e quando necessário.

Um Presidente que seja próximo dos Portugueses. Sempre um Presidente que seja o mais simples possível nos meios que usa, na vida que leva, nas estruturas que o apoiam, na segurança que o rodeia.

Um Presidente para os bons e para os maus momentos. Que esteja disponível para ser aplaudido e para ser atacado. Sem euforias nem medos. Sabendo que a glória dura um segundo e que a acrimónia, a queixa e a crítica, às vezes, uma eternidade.

Um Presidente que não amue com perdas de popularidade ou com queixas dos cidadãos.

Um Presidente que no final do seu mandato dispense o estatuto específico para ex-chefe de Estado. Eram outros tempos em parlamentarismo, quando os primeiros Presidentes da República entravam e saíam dos cargos discretamente e o desempenhavam com uma frugalidade e uma reserva assinaláveis.

Claro que hoje muito mudou. O papel presidencial é muito mais vasto, não é de um presidente parlamentar, o seu estatuto é bem mais complexo. Mas recuperar um pouco desse espírito de moderação, de singeleza, de frugalidade de há um século talvez seja positivo. Sobretudo em tempos de sofrimento para muitos Portugueses.

É a isto que venho. Para recriar esperança. E regresso à ideia de que vos falei há pouco: em vez do medo, do rancor, do ressentimento, da exclusão, venha ela de onde venha — a esperança. A renovação da esperança. O alimentar a esperança em todos e em cada um dos Portugueses. Com desprendimento. Com o desejo de servir. Com a vontade de ser próximo e dar o afeto que sempre dei a todos os que sempre privaram comigo.

As Portuguesas e os Portugueses dirão pelo seu voto se querem ou não fazer comigo este caminho de cinco anos. Acho que vale a pena fazê-lo.

Vamos a isto! Ultrapassando as dificuldades da hora, ultrapassando as preocupações do momento.

Unindo os Portugueses!

Juntos por Portugal!

24
Out
2015